7 de junho – Dia da Liberdade de Imprensa ou da Liberdade de Empresa?

João Pedro Stédile é um economista brasileiro graduado pela PUC/RS, pós-graduado pela Universidade Nacional Autônoma do México, autor de sete livros e membro da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Fundado há 37 anos, hoje o MST está organizado em 24 estados das cinco regiões do país, tendo sido o principal responsável pelas mobilizações que levaram a que 350 mil famílias conquistassem um pedaço de terra para plantar, colher e ter uma vida digna. Estas famílias seguem integrando o Movimento, cujos principais objetivos são realizar a reforma agrária, produzir alimentos ecológicos e melhorar as condições de vida no campo.

Maria Lúcia Fattorelli é uma brasileira graduada em Administração pela UFMG, em Ciências Contábeis pela Faculdade Machado Sobrinho, com MBA em Administração Tributária pela FGV/SP. É Auditora aposentada da Receita Federal do Brasil e coordenadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil, fundado há 21 anos após a realização (em 3.444 municípios do País) do Plebiscito Popular da Dívida Externa, organizado por diversas entidades da sociedade civil. Ela participou das auditorias das dívidas do Equador e da Grécia, a convite dos dois governos, contribuindo na identificação e comprovação de ilegalidades na construção das suas dívidas. Segundo a Auditoria, a dívida pública brasileira representa cerca de 40% das despesas da União.

Guilherme Boulos é um brasileiro graduado em Filosofia pela USP, tem especialização em Psicologia Clínica pela PUC/SP, é mestre em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da USP, professor da rede pública de ensino de São Paulo, da Faculdade de Mauá e da Escola de Educação Permanente do Hospital das Clínicas da USP. Autor de três livros sobre ocupação urbana no Brasil, aos 20 anos ele saiu da casa dos pais médicos para viver em uma ocupação de trabalhadores sem teto. Membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), ficou nacionalmente conhecido na ocupação de um terreno não utilizado pela Volkswagen para assegurar teto para 7 mil pessoas. Em 2018 foi candidato à Presidência da República e em 2020 à Prefeitura de São Paulo.

Neste 7 de junho, em que se comemora a Liberdade de Imprensa no Brasil, vale nos perguntar quando vimos Stédile, Fattorelli ou Boulos terem o devido espaço na chamada grande mídia brasileira (principalmente no rádio e na TV, isto é, na de maior audiência por terem sinal aberto) para defender seus pontos de vista sobre temas tão fundamentais como reforma agrária, produção de alimentos, condições de vida no campo, dívida pública, ocupação urbana e política habitacional no Brasil. Estes são apenas três exemplos, entre muitos outros, do que podemos chamar de um “silêncio imposto” a algumas vozes pelos proprietários dos grandes veículos de comunicação que, paradoxalmente, são os mesmos que se levantam contra qualquer proposta de regulação dos meios de comunicação que assegure tanto coberturas éticas como plurais nos meios de comunicação. Contra este esforço garantidor de pluralidade em concessões que são públicas (rádio e TV) os concessionários das mídias argumentam com o que chamam de “censura” que esta eventual regulação traria ao que denominam “liberdade de imprensa”. Cabe perguntar, recorrendo novamente aos três exemplos acima, se já não existiria, hoje, uma censura quando se nega espaços sob concessão pública a importantes vozes do movimento social que não rezam na cartilha dos interesses do mercado midiático e seus financiadores.

A Constituição Brasileira assegura, no artigo 220 do Capítulo V (Da Comunicação Social) que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. No Brasil, entretanto, o uso do termo liberdade de imprensa tem sido comumente confundido com o exclusivo direito de jornalistas e, principalmente, das empresas de comunicação de exercerem com completa autonomia o trabalho de informar, quando efetivamente a informação de qualidade, ampla, diversa e democrática não é um direito deles, mas da sociedade. Cabe perguntar se o exercício deste pretenso direito por parte exclusiva de profissionais e veículos de mídia tem servido de fato aos interesses de quem uma efetiva liberdade de imprensa deve servir: o conjunto da população.

Encarada como um direito social constitucionalmente garantido, que instrumento de proteção à informação democrática (que contemple a diversidade de visões existentes na sociedade) a população possui seja contra a censura a algumas visões, a manipulação, a omissão de dados, o jogo de interesses ou a pura e simples mentira de que ela é vítima quando um jornalista ou um meio de comunicação se utiliza de seus veículos para influenciá-la em benefício de interesses nem sempre confessáveis, mas resguardados numa pretensa “liberdade de imprensa”? Hoje simplesmente não há proteção, inclusive porque a chamada liberdade de imprensa não é encarada como um direito social. Em nenhuma parte do planeta exercer a liberdade de imprensa pode significar ter o direito de destruir reputações sem provas, atuar como partido político, eleger eventuais candidatos como inimigos e proteger outros, assim como pisar e repisar discursos econômicos sustentados nas mesmas opiniões de “especialistas” escolhidos a dedo de acordo com interesses nada republicanos. Infelizmente é a isso que temos assistido há anos no Brasil.

O exercício do poder de veicular ou de calar vozes no Brasil é facilitado pela enorme concentração de concessões públicas nas mãos de poucos grupos. O jornalista e professor de jornalismo da UFSC, Daniel Herz, realizou ampla investigação que revelou o controle de 85% das concessões públicas por apenas cinco grandes conglomerados midiáticos: Globo, Bandeirantes, RIC-Record, SBT e Rede TV. Estas empresas integravam um grupo de 33 redes de TV, às quais estão ligados 1.415 veículos, a maioria através de grupos afiliados às denominadas “cabeças de rede”. A rede Record (com 34 veículos), a Bandeirantes (com 32) e a Globo (com 29) lideram estes números. Se o advento da Internet abriu novos espaços no campo da comunicação, a concentração que já existia também se aprofundou, na medida em que estas grandes redes também migraram para o espaço digital. O dossiê “Os donos da mídia” (disponível na Internet) é outro importante estudo que demonstra o quanto coronéis eletrônicos (políticos aliados a grupos econômicos poderosos) perpetuam uma avassaladora concentração de veículos de comunicação no Brasil.

Todas as tentativas de se superar ou pelo menos minimizar este quadro foram, obviamente, bombardeadas pelos grandes conglomerados de mídia, que conseguiram através do poder que exercem obstaculizar as iniciativas democratizantes do setor, não apenas ao informar de forma enviesada a opinião pública a respeito do tema (em geral arguindo o risco de virem a ser “censurados”), como através de pressões junto aos poderes Executivo, Legislativo e mesmo Judiciário.

As saídas para este quadro de ausência de pluralidade nas diversas visões de sociedade com espaço nas mídias já foram suficientemente estudadas e debatidas. Elas existem, portanto. Cito duas: a implantação de uma política pública (e não “estatal” ou “de governo”, como argumentam seus detratores) de comunicação que rompa com o modelo que censura opiniões e informações que não sejam do interesse do mercado; e a regulação destes meios (a exemplo do que existe em todos os demais setores da economia no Brasil e em vários países democráticos do mundo, como França, Reino Unido e outros) que assegure a democratização das mídias sob concessão pública, de forma a propiciar à população tanto coberturas éticas como a diversidade de opiniões sobre como enfrentar os problemas que a afligem.

Qualquer projeto de efetiva soberania em nosso País não pode se fazer de inocente e deixar de enfrentar este desafio, sob pena da sociedade seguir sendo refém de uma mídia submetida exclusivamente aos interesses dos mercados que a sustentam, do financeiro ao agronegócio, da indústria ao grande comércio. Se algo merece ser demarcado neste 7 de junho é a necessidade do crescimento deste debate que, nunca é demais frisar, não interessa nem deve estar restrito apenas a jornalistas e empresas de comunicação, porque ele interessa fundamentalmente ao conjunto da sociedade.

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