Rabisquei dez pontos que contribuem, claro que a meu ver (e desde logo informo que é na doutrina do socialismo científico onde identifico a melhor forma de organização social), para conhecermos melhor o sistema político-eleitoral de Cuba e começarmos a pelo menos nos assenhorear de mais dados do que os sempre distorcidos de forma exaustiva pela chamada “grande” mídia.
Não se trata de um compêndio que esclareça tudo sobre o sistema cubano de representação, mas serve para que tenhamos mais informações de como um outro mundo funciona, nem que seja por pura curiosidade. Seguem os 10 pontos para se entender Cuba, pelo menos um pouquinho. Concordando ou não com o sistema, conhecê-lo é interessante, até para quem deseja criticá-lo não fazê-lo de forma tosca e distante da realidade.
OS DEZ PONTOS:
1. Uma das curiosidades é que o sistema político da Cuba socialista não surge com a revolução de 1959, mas parte de um reconhecimento histórico inspirado no pensador, poeta e líder revolucionário do século XIX José Martí. Trata-se de um Sistema de Poder Popular único no mundo. E talvez por isso cause tanta estranheza às democracias burguesas existentes, pois radicaliza o poder do povo como nenhuma outra.
2. Em Cuba não há poderes executivo, legislativo e judiciário como no sistema político burguês. Há só o Poder Popular. E como o povo o exerce de fato? Quando aprova a Constituição de forma direta, elege seus representantes, nas assembleias do Poder Popular e nos órgãos por ela eleitos, como por exemplo o Conselho de Estado, órgão da Assembleia Nacional. O poder popular é único e exercido através das Assembleias.
3. Um fato que incomoda até mesmo pessoas de formação de esquerda é a existência de um partido único em Cuba, o PCC – Partido Comunista de Cuba, estatuto previsto na Constituição cubana. Surpresa para muita gente é o fato do PCC NÃO DISPUTAR as eleições em Cuba, pois ele não é um partido eleitoral que indica candidatos a serem aprovados ou não pelo povo. Em Cuba é o contrário. O direito de indicar candidatos às Assembleias Municipais do Poder Popular é exclusivamente dos eleitores. Este direito é exercido nas assembleias gerais dos eleitores de uma circunscrição eleitoral, que é a menor divisão territorial do Município e constitui a célula fundamental do Sistema do Poder Popular.
4. Seguindo a ideologia de Martí, o PCC se diferencia do conceito burguês clássico de um partido político, pois além de não ser eleitoral, é o partido dirigente da sociedade, cujas funções e cujo papel são reconhecidos pela imensa maioria do povo, que o elegeu constitucionalmente para exercer esta função, através de referendo, com voto livre, direto e secreto de 97,7% da população. E quem constitui o PCC? Os cidadãos mais representativos e destacados do país. E como se entra no PCC? Através de um processo de consulta onde os trabalhadores que NÃO PERTENCEM ao Partido propõem, em assembleias, os nomes dos homens e mulheres que devem ser aceitos em suas fileiras. Assim, só entra no PCC quem a sociedade elege para dele fazer parte. Não o contrário e como normalmente se acha normal. Para entrar no PCC, você tem que ser um cidadão de destaque junto ao povo. E é este povo que o elege para fazer parte de suas fileiras.
5. Qual a relação entre o PCC e o Poder popular? O PCC toma decisões em seus congressos com base em discussões prévias de seus membros com as comunidades que os elegeram para o Partido. Mas o Partido não manda na Assembleia Nacional do Poder Popular, muito menos no Governo. O PCC, após consultar o povo via assembleias, sugere e propõe aos órgãos do Poder Popular e ao Governo as questões que somente a essas instituições cabe o papel de decisão. Por mais que o PCC seja formado pelos cidadãos e cidadãs de mais destaque junto à população, eles não substituem a população. O Partido propõe, mas são os representantes eleitos pelo povo que decidem.
6. Agora vamos a algumas perguntas, tipo “advogado do diabo”: Mas o Parlamento Cubano não seria apenas uma marionete do partido?
O Parlamento cubano tem as seguintes características, que inviabilizam que ele se torne marionete de quem quer que seja:
– O povo propõe livre e democraticamente os seus candidatos.
– Os candidatos são eleitos mediante voto direto, secreto e majoritário dos eleitores.
– O mandato dos eleitos pode ser revogado pelo povo a qualquer momento.
– O povo controla sistematicamente os eleitos, acompanhando as decisões tomadas.
– O povo participa dos debates com seus representantes, discutindo nas assembleias desde as suas circunscrições e municípios a tomada das decisões mais importantes.
7 – Qual a estrutura do Poder Popular? Ela é totalmente autônoma?
Ela não é autônoma, mas subordinada ao povo, que põe e tira de lá quem ele quiser e a qualquer hora. O sistema do Poder Popular em Cuba se constitui de uma Assembleia Nacional com 609 deputados, 14 Assembleias Provinciais, 169 Assembleias Municipais, 1540 Conselhos Populares, além da Circunscrição Eleitoral, célula inicial e fundamental de todo o sistema. (Estes números são de 2015).
8 – Como se dá o voto em Cuba? Ele é efetivamente livre?
Todos os cidadãos cubanos a partir dos 16 anos de idade participam voluntariamente das eleições, incluindo-se os membros das Forças Armadas, que têm direito a voto, a eleger e a serem eleitos como qualquer cidadão. Cada eleitor tem direito a um voto, que tem o mesmo peso no País todo e é secreto. O voto é um direito constitucional e um dever cívico, que se exerce de maneira voluntária, e quem não o fizer não pode ser punido. Isso está na Constituição Cubana. O registro eleitoral é automático, público e gratuito após os 16 anos de idade. Mesmo o voto sendo voluntário, 97,7% dos maiores de 16 anos participaram do último pleito (dados de 2014, índice em torno de 100% maior que a média registrada nos EUA e Europa, onde o voto também é facultativo). Certa vez perguntei a um cubano que encontrei na praia em um domingo o que aconteceria com alguém que simplesmente decidisse não votar, levantando a possibilidade de algum tipo de retaliação do Estado contra ele. A resposta dele foi uma gargalhada, achando que eu estava brincando. Insisti na pergunta e ele viu que eu estava falando sério. “Nada le pasa” (“Não acontece nada a ele”) respondeu, dizendo que o voto não é obrigação, “sino um derecho”.
9 – Quem financia as eleições e os candidatos em Cuba? Qual a periodicidade das eleições? Quem as organiza de fato? Quanto ganha um Deputado em Cuba? Eles formam uma “casta”? Eles podem ser removidos no meio do mandato? Como?
Todos os gastos com as eleições são assumidos pelo Orçamento do Estado; portanto os candidatos nada gastam durante todo o processo eleitoral. Para elaborar e apresentar os projetos de candidaturas existem as Comissões de Candidaturas Nacional, Provinciais e Municipais, integradas por representantes das organizações de trabalhadores e de estudantes, presididas por um representante da Central de Trabalhadores de Cuba, de forma a garantir a direção dos trabalhadores em todo o processo eleitoral. A propaganda é feita exclusivamente pelas Comissões Eleitorais, garantindo a todos os candidatos igualdade de tratamento e condições. O Deputado de qualquer nível do sistema do Poder Popular não recebe nenhum tipo de remuneração pelo exercício do mandato. Eles continuam exercendo suas profissões em seus locais de trabalho e recebendo o mesmo salário do período em que não tinham mandato. São liberados do trabalho para as sessões do parlamento e retornam aos seus ofícios quando elas terminam. É obrigação do deputado e delegados prestarem contas de seus atos periodicamente a seus eleitores, que podem, por Lei, cassar seu mandato a qualquer momento, por decisão de maioria, caso considerem que eles não estão exercendo seus mandatos como deveriam.
10 – Como Fidel foi eleito por tanto tempo e agora é Raul Castro, seu irmão, que o sucedeu? Isso não parece coisa de ditadura?
Em Cuba, para ser eleito Presidente é necessário ter sido eleito Deputado por voto direto e secreto da população. Aliás, nesse aspecto particular o sistema cubano é semelhante ao estadunidense. Em todos os seus mandatos, Fidel Castro teve, antes, que ser designado candidato pela Assembléia Municipal de Santiago de Cuba (seu domicílio eleitoral) e depois eleito pelos eleitores de sua circunscrição e província. Só então tornou-se candidato a Presidente do Conselho de Estado e eleito Presidente pelos Deputados da Assembleia Nacional do Poder Popular. O mesmo aconteceu com Raúl Castro e acontecerá com aquele que vier a sucedê-lo, já que ao tomar posse Raúl anunciou que só permaneceria à frente do Governo por um mandato. Sobre o fato de Raúl ser irmão de Fidel (e isso servir de argumento aos que acusam Cuba de ser uma ditadura) vale lembrar que Raúl (como Tchê Guevara, Camilo Cinfuegos e muitos outros) é um reconhecido herói cubano desde a luta antiimperialista contra a ditadura de Fulgêncio Batista, deflagrada a partir de Sierra Maestra nos anos 50, tendo participado da famosa (e fracassada) tentativa de tomada do Quartel Moncada em Santiago de Cuba, quando foi preso pela ditadura Batista e condenado a 13 anos de prisão. É um histórico defensor das bandeiras da moralização, um nacionalista e um reconhecido defensor das teses antiimperialistas (não só em relação a Cuba). Suceder Fidel sempre foi algo tido como normal pela população cubana, já que Raúl foi eleito Vice-Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, além de ser o Ministro das Forças Armadas Revolucionárias, eleito à Assembleia Nacional do Poder Popular desde 1976.