Desde a mais nova radicalização dos embates entre o exército de Israel e a população palestina – hoje representada pelo Fatah, partido político que venceu as eleições para o parlamento do país -, tenho assistido aqui e ali narrativas que arguem uma “complexidade” de tal magnitude para se analisar o que ocorre que tornar-se-ia quase proibitivo tomar uma atitude em relação ao que a mídia mercantil chama de “conflito”. O mesmo ocorria quando o Hamas era governo, vale ressaltar.
A “complexidade” alegada (inclusive por pessoas do campo ideologicamente progressista) visita os primórdios da formação do Império Otomano, a compra efetiva de algumas terras e residências por israelenses no território palestino, as questões religiosas, a mentira (fake news) recente em relação a um vídeo de um incêndio que não teria ocorrido de uma mesquita muçulmana frequentada por palestinos, enfim, fatos que marcam a história antiga e recente do país, mas que nem de longe podem servir de justificativa para o que serve para tentar convencer o quão “complexa” seria a questão Israel x Palestina.
Com base nesta premissa de que haveria uma “profunda complexidade” para se analisar a questão, esta narrativa conclui que tomar uma posição a favor dos palestinos (ou mesmo de Israel) beiraria a ignorância em relação a tantos fatos históricos. E que assumir uma posição seria, no mínimo, resultado de uma análise superficial e ignorante.
Os que arguem tal “complexidade” só aparentemente não tomam lado e defendem que você também não tome, pois afinal, se o assunto é complexo, difícil, profundo e distante tanto de sua realidade como de sua geografia, o melhor é se calar.
Não se engane. Isso é uma tática que busca uma neutralidade cínica (ou melhor, cúmplice) frente ao massacre que efetivamente ocorre, promovido por um exército super armado – em aliança com os EUA – contra uma população que teve seu território paulatinamente invadido nas últimas décadas, diante de meros protestos formais da comunidade internacional.
Esta tática baseada na tentativa de convencimento da existência de uma “complexidade” cujo domínio é quase inalcançável ao cidadão comum não é nova. Os mais experientes viveram estratégia semelhante – de busca de uma isenção que se transforma em conivência – em outros momentos, como por exemplo nos anos do Apartheid na África do Sul, quando a mesma “complexidade” baseada nos aspectos históricos, econômicos, culturais e políticos da realidade sul-africana serviam de argumento para se tentar construir a mesma neutralidade cúmplice, que no frigir dos ovos servia mesmo para deixar submersa a existência de uma ditadura (ela também sustentada militar, econômica e diplomaticamente pelos EUA) que oprimia e massacrava a população negra através de um dos regimes mais violentos do planeta.
Mário de Andrade escreveu que “as pessoas não pensam as coisas, elas pensam os rótulos”. Grande parte de nosso jornalixo – engajado em manter o status dominante de raiz estadunidense – nos massacra vendendo o rótulo de que o Hamas é um grupo terrorista, com quem não há negociação possível, o que não é verdade. O Fatah, hoje, como o Hamas, antes, são partidos políticos registrados, venceram as eleições no País e em cada período de governo são e foram os legítimos representante do povo palestino. Agora, para além do rótulo de “terrorista” carimbado tanto no Fatah como no Hamas pela mídia mercantil, toma corpo um discurso que tenta convencer de que a questão palestina é tão complexa, confusa e intrincada que o melhor é você não se meter nela. A quem isto serve? Obviamente que a Israel e seu exército, aos EUA que os apoiam com armas, discursos midiáticos e presença diplomática que, juntos, sustentam a invasão, a perseguição, os assassinatos e a expulsão de palestinos daquele território geopoliticamente estratégico.