O Governo Lula chegou aos 100 dias com uma herança dramática na administração do sistema previdenciário: números oficiais dão conta de que há uma fila represada de 1,8 milhões de brasileiros e brasileiras aguardando a concessão de direitos assegurados, seja nos contratos celebrados com o INSS, seja na Constituição Federal.
Trabalhadores e trabalhadoras com 30, 35, 40 anos de trabalho regular, tendo comprovado religiosas contribuições mensais à Previdência Social, cumprindo à risca com sua parte no contrato com o Governo, dão entrada nos seus pedidos de aposentadoria e ficam, por meses ou mais de um ano, esperando que seu direito seja reconhecido. No máximo, o site “Meu INSS” informa, laconicamente, um número de protocolo de nove dígitos seguido da frase “Pedido em análise pelo INSS”.
Além dos pedidos de aposentadorias – contratualizadas há décadas – também estão represadas análises de auxílio-maternidade, licença por acidente de trabalho e até mesmo as voltadas à concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) inscrito na Constituição.
Desde janeiro, ao tomar posse, o novo governo – através do Ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT) – anuncia esforços no sentido de enfrentar este gravíssimo problema, sem entretanto estabelecer a curto ou médio prazo uma solução. Declarações do Ministro falam em “final do ano”, o que leva a crer que cidadãos e cidadãs que esperam há seis meses, um ano ou mais por seus direitos podem vir a ter que esperar por até oito meses, caso este prazo venha a ser cumprido. É evidente o desgaste social e político que isto trará ao Governo e em particular ao Ministro.
Se pelo lado dos contribuintes a situação é dramática, pelo lado do Governo o INSS e o Ministério da Previdência argumentam com dois fortes motivos para este represamento das concessões de direitos previdenciários: há uma falta crônica de servidores, pois há tempos não são realizados concursos públicos para reposição das vagas abertas com aposentadorias dos que trabalham no atendimento aos segurados, fato agravado pelo aumento da demanda, devido ao envelhecimento da população, sendo que ambas as situações deveriam ter sido previstas pelos responsáveis pelo sistema. Também é verdade que nos governos Temer e Bolsonaro o sistema previdenciário foi abandonado, não só em termos de pessoal mas também em incorporação tecnológica, com consequências diretas na prestação dos serviços aos contribuintes.
Mas qual a solução apontada para esta crise? O pagamento de um bônus para que os atuais servidores do INSS façam horas extras, a partir de abril, para buscar diminuir as filas. É óbvio que simples horas extras não resolverão a curto prazo uma fila de 1,8 milhões de pessoas. Esta proposta não enfrenta de forma corajosa, cidadã e digna – para com os segurados – a verdadeira gravidade do problema.
Segundo o Regulamento da Previdência Social (Decreto 3.048/1999) o INSS tem prazo de 45 dias para analisar a concessão de um direito requerido pelo ou pela contribuinte. Há pelo menos dois anos este prazo não vem sendo cumprido. Em 2021 o Supremo Tribunal Federal – considerando os argumentos apresentados pelo Governo Federal – homologou um acordo entre o Ministério Público Federal (MPF) e o INSS, que basicamente dobrou este prazo, que passou a variar conforme o grau de complexidade do direito requerido, desde que a concessão não ultrapasse 90 dias.
Desconsiderando o acordo e a determinação do Supremo, o INSS está deixando pessoas esperando não pelos 90 dias sacramentados no acordo, mas por 180, 360 e até mais dias. Estabelecida a crise – que cai como uma bomba de efeito retardado no colo do Governo Lula, tendo Carlos Lupi à frente de uma solução -, faz-se necessária uma SOLUÇÃO EMERGENCIAL E COM PRAZO DETERMINADO. Ou os responsáveis por ela correm o risco de parecerem incompetentes e/ou insensíveis.
Qual a saída digna, civilizatória e cidadã, que requer coragem política e sensibilidade social para ser tomada?
1. Que todos os pedidos que tenham mais de 90 dias de inseridos no sistema previdenciário (prazo determinado pelo Supremo, portanto não sendo nenhum absurdo vir a ser cumprido), sejam automaticamente concedidos pelo INSS, por decurso de prazo para análise;
2. Esta concessão não impede que o INSS prossiga com as devidas providências (bônus aos atuais servidores por horas extras, realização de concurso público, convocação de ex servidores aposentados, etc.) para que cada pedido seja analisado. Caso o órgão venha a diagnosticar alguma inconsistência, a necessidade de novas comprovações de documentos ou mesmo constate fraude na solicitação, que suspenda o direito concedido, processe judicialmente o beneficiário ou a beneficiária e busque ressarcir os seus cofres. Eventuais concessões indevidas não chegarão a 1, 2 ou 3% do conjunto de solicitações. O que não pode ocorrer é 97 a 99% dos contribuintes seguirem por mais meses e meses à espera de um direito estabelecido em contrato.
A procrastinação da concessão de um direito consagrado em contrato está sendo uma forma de, na prática, se negar o acesso a este direito. Pior, a não explicitação pública desta negativa por parte das autoridades tem como resultado evidente a minimização do desgaste político e social desta atitude. Adiar – por meses e meses – o cumprimento de um contrato estabelecido, com um argumento baseado em dificuldades administrativas, reflete, na prática, o inaceitável descumprimento de um termo legalmente constituído, que golpeia o sustento e até mesmo a sobrevivência de cidadãos e cidadãs contribuintes, algo inadmissível vindo de um governo eleito para reconstruir suas relações com a sociedade.